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14/06/2021 - 08:33

Tribunal

Justiça do Trabalho reconhece dispensa discriminatória de trabalhadora diagnosticada com depressão grave


Os julgadores da Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, por maioria de votos, deram provimento ao recurso de uma trabalhadora para reconhecer a nulidade da dispensa, por ter sido discriminatória. Em consequência, foi reconhecido o direito da trabalhadora de receber o pagamento de uma indenização por danos morais. no valor de R$ 20 mil. De acordo com a decisão, a empregadora deverá reintegrá-la ao emprego, além de lhe pagar os salários, 13ºs salários, férias + 1/3 e FGTS do período, desde a dispensa até o retorno às atividades.


Foi acolhido o voto do relator, desembargador Marcus Moura Ferreira, que reformou a sentença do juízo da 48ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, que havia negado o pleito da trabalhadora. O município de Belo Horizonte foi condenado de forma subsidiária, devido à negligência na fiscalização dos encargos trabalhistas assumidos pela contratada e em razão também da condição de tomador dos serviços (a autora prestava serviços nos centros de saúde do município como empregada da empresa contratada pela Prefeitura de BH). 


A empregada sofria de "transtorno depressivo grave e recorrente e estava em tratamento clínico quando foi dispensada sem justa causa". Segundo ressaltou o relator, embora a patologia não se relacionasse diretamente com o trabalho, a ré agiu de forma discriminatória e abusiva ao dispensar a empregada. O entendimento foi que faltou total sensibilidade da empregadora para lidar com a questão, por não considerar que a manutenção do emprego não só auxiliaria no tratamento e na recuperação da trabalhadora, como, potencialmente, evitaria o agravamento de um quadro realmente delicado. 


"Assim, embora a dispensa imotivada configure direito potestativo do empregador, o seu exercício não pode se dar de maneira arbitrária, porquanto encontra limites ético-jurídicos e oblitera tanto a função social da empresa como o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, que se irradia por todo o arcabouço normativo do Direito do Trabalho, a nortear, portanto, a atividade hermenêutica do julgador", destacou no acórdão.


Prova pericial e relatórios médicos - Houve realização de perícia médica por profissional da confiança do juízo, além de terem sido apresentados relatórios anteriores elaborados por médicos e psicólogos que haviam avaliado a trabalhadora no decorrer do período contratual com a ré, que durou cerca de 4 anos. Entre os diagnósticos apontados estavam "transtorno depressivo recorrente e grave com sintomas psicóticos", "transtornos de ansiedade", "transtorno bipolar". Já no curso do aviso-prévio, a autora chegou a ser afastada do serviço por "transtornos de adaptação." Mas, anteriormente, no curso do contrato, ela já havia sido afastada com a percepção de benefício previdenciário, tendo sido relatadas duas tentativas de autoextermínio, na última, com necessidade de hospitalização.


Constou do laudo do perito médico oficial que a patologia não tem relação de causalidade com o trabalho exercido, tratando-se de doença de causa multifatorial e recorrente. A primeira tentativa de autoextermínio ocorreu durante o período de licença médica e a segunda, cerca de dois meses depois do retorno ao trabalho. Quando retornou, a empregada estava em tratamento psiquiátrico com uso de medicamentos e controle periódico. Na ocasião da perícia, apresentou boa evolução do quadro com o tratamento instituído e foi considerada apta pelo perito para exercer a atividade profissional. 


Na análise do relator, não houve dúvida sobre a origem multifatorial da patologia e sobre o fato de ela não ter relação com o trabalho, o que também afasta qualquer questionamento sobre eventual existência de estabilidade no emprego. O cerne da questão, segundo o relator, resume-se em investigar se a dispensa foi ou não discriminatória, sendo positiva a resposta.


Chamou a atenção dos julgadores a circunstância de a trabalhadora ter sido considerada apta no exame demissional, sem qualquer ressalva e sem que fossem realizados testes psiquiátricos, apesar do histórico clínico dela. Na visão do desembargador, a empresa agiu de forma abusiva e discriminatória ao dispensar a empregada com aquele histórico clínico e ocupacional, o qual, certamente, não lhe era desconhecido, limitando-se a afirmar, em sua defesa, de maneira fria e genérica, a necessidade de "reestruturação do quadro de colaboradores (...) no uso de seu poder potestativo".


"É bem verdade que a dispensa imotivada se insere no rol de direitos potestativos conferidos ao empregador. É faculdade sua, se não estiver satisfeito com a prestação de serviços de seus empregados, proceder às substituições que julgar necessária, de acordo com a sua conveniência e no interesse do empreendimento econômico. Referido direito, entretanto, não pode ser exercido de maneira absoluta e arbitrária, porquanto encontra limites éticos e esbarra tanto na função social da empresa como na dignidade da pessoa humana, fatores que exigem ponderação quanto à repercussão daquela decisão perante a sociedade e os próprios empregados afetados", destacou.


O relator registrou que, embora a empregadora tenha o direito de dispensar os seus empregados imotivadamente, as circunstâncias especiais do caso não podem passar despercebidas. Ele frisou que, apesar da boa evolução em virtude do tratamento instituído, o quadro de depressão da autora era grave, provavelmente crônico, associado a transtornos recorrentes de ansiedade e, sobretudo, a duas tentativas de autoextermínio, o que é, nas palavras dele, "de extrema relevância". Para o julgador, a ruptura arbitrária do contrato de trabalho por parte da empregadora, conhecedora de todas essas circunstâncias, logo após o retorno previdenciário da empregada, que, inclusive, estava em tratamento médico, revela, no mínimo, insensibilidade e inabilidade para lidar com a questão.


"Veja-se que a autora foi considerada apta pelo perito para o exercício das atividades, que não constatou comprometimento de sua capacidade laborativa, mas apenas do ponto de vista estritamente físico, haja vista que as condições psíquicas em que se encontrava a autora não foram avaliadas. Ocorre que a saúde é um conceito amplo, que abrange corpo e mente", ponderou o desembargador. 


Para o voto condutor, o que ocorreu foi que a empregadora, avistando as dificuldades que poderiam surgir do quadro manifestado pela reclamante, antecipou-se e decidiu pelo fim do ajuste. "Assim, em lugar de considerar que a manutenção da relação de emprego certamente auxiliaria no tratamento e na recuperação da paciente com transtorno psicológico, optou a empresa por praticar ato que, certamente, a abalaria em momento de fragilidade e lhe causaria toda sorte de prejuízo, inclusive financeiro, baseando-se, para tanto, em exame demissional que negligenciou por completo as peculiaridades da situação", pontuou.


No entendimento do relator, apesar de o quadro de depressão não ser de ordem ocupacional e, mesmo que não encontre previsão expressa nos dispositivos legais mencionados em sentença (artigo 6º, inciso XIV, da Lei 7.713/88, artigo 151 da Lei 8.213/91 e artigo 186, parágrafo 1º, da Lei 8.112/91), as circunstâncias do caso se revestem de excepcionalidade tal que superam a literalidade fria da lei. Isso ocorre não para que se decida à margem da lei, mas, antes, para que ela seja aplicada em todo o seu alcance, por meio de uma interpretação teleológica e integrativa dos princípios que a sustentam e legitimam e que autorizam o reconhecimento da dispensa discriminatória por parte da empregadora, com amparo na dignidade da pessoa humana, no valor social do trabalho (artigo 1º, incisos III e IV, da CR/88) e na proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária (artigo 7º, inciso I, da CR/88) e, ainda, por aplicação analógica da Súmula 443 do TST e ampliativa da Lei n. 9.029/95, esclareceu o julgador.


Por tudo isso, os julgadores da Turma revisora reconheceram a dispensa abusiva e discriminatória por parte da empregadora e determinaram a imediata reintegração da reclamante ao emprego, com o pagamento dos salários, 13ºs salários, férias + 1/3 e FGTS, desde a dispensa até o retorno às atividades.


No julgamento dos embargos de declaração interpostos pela trabalhadora, o colegiado acrescentou à condenação o pagamento de uma indenização no valor de R$ 20 mil, pelos danos morais vivenciados pela trabalhadora. Houve recursos do município de Belo Horizonte, que serão submetidos à análise do TST.


FONTE: TRT-MG


 




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