O TELETRABALHO E A SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL
RÚBIA ZANOTELLI DE ALVARENGA
Mestre e Doutora em Direito do Trabalho pela PUC-Minas Advogada e professora
de Direito do Trabalho e Previdenciário de cursos de Pós-Graduação
Professora de Direito da Faculdade Casa do Estudante de Aracruz-ES
Sumário: 1. Introdução; 2. A subordinação jurídica no Direito do Trabalho; 3. O teletrabalho e a subordinação estrutural.
1.
INTRODUÇÃO
O
presente ensaio visa estabelecer as dimensões da subordinação
jurídica, bem como o novo critério da subordinação estrutural,
hoje já incorporado, de certo modo, pela nova redação do art.
6º e parágrafo único da CLT.
A teoria da subordinação estrutural, que tem como precursor o Ministro
do TST Maurício Godinho Delgado é responsável em trazer para
dentro do Direito do Trabalho trabalhadores que se encontram inseridos nas novas
formas de organização do trabalho, e, por conseguinte, afastados do
conceito tradicional e objetivo de subordinação jurídica. É
em decorrência das novas formas de gestão administrativa ou de reestruturação
produtiva advindas dos efeitos da globalização na organização
produtiva e do trabalho que o legislador brasileiro teve o objetivo de traçar
o critério de subordinação estrutural, tendo como instrumento
a introdução da Lei nº 12.551/2011 ao art. 6º, da CLT.
2. A SUBORDINAÇÃO JURÍDICA NO DIREITO DO TRABALHO
O Direito do Trabalho surgiu como uma necessidade de correção das
desigualdades materiais entre empregados e empregadores, vivenciadas durante
o final do século XVIII e durante o curso do século XIX na Europa
e nos Estados Unidos.
Essas transformações inseriram a relação de trabalho subordinado
como o núcleo motor do processo econômico de produção do
sistema capitalista. Por isso, diz-se que o Direito do Trabalho surgiu como
consequência do desenvolvimento do modo de produção capitalista.
Nessa ótica, estatui Maurício Godinho Delgado:
O Direito do Trabalho é, pois, produto cultural do Século XIX e das
transformações econômico-sociais e políticas ali vivenciadas.
Transformações todas que colocam a relação de trabalho subordinado
como núcleo-motor do processo produtivo característico daquela sociedade.
Em fins do Século XVIII e durante o século XIX se manifestaram, na
Europa e Estados Unidos, todas as condições fundamentais de formação
do trabalho livre, mas subordinado e de concentração proletária,
que propiciaram a emergência do Direito do Trabalho.1
Conforme Thiago Chohfi, pode-se considerar, assim, a subordinação
jurídica como o próprio Direito do Trabalho por integrar a sua essência
e por definir seu grau e campo de incidência.2
Segundo Sidnei Machado, a subordinação jurídica representa uma
condição necessária para a definição do contrato de
trabalho e critério lógico-dedutivo para o reconhecimento da relação
de emprego.3
De acordo com Marlon Marcelo Murari, a subordinação representa requisito
essencial da relação de emprego. Sem ela, a relação de emprego
não se caracteriza. Sendo assim:
No conjunto de regras e princípios que compõem o Direito do Trabalho,
o empregador tem o condão de subordinar o empregado para organizar os fatores
da produção, ou seja, o seu poder de direção é uma
espécie de competência outorgada pelo Direito e não uma
força que deixa mandar, simplesmente. A subordinação é
uma situação objetiva direcionada à forma de prestação
do trabalho e não uma sujeição pessoal do empregado.4
A subordinação é o elemento diferenciador da relação
de emprego. É cediço que existem diversas espécies de prestação
de trabalho que são concretizadas sem vínculo empregatício. A
relação de emprego, por sua vez, somente irá se configurar na
medida em que a subordinação se verificar no âmbito laboral.
É através da relação de emprego que nasce, para o empregador,
o poder empregatício e, por consequência, para o empregado, o dever
de obediência, que se exterioriza por intermédio da subordinação
jurídica.
A CLT aborda o instituto da subordinação por meio da palavra dependência
quando, em seu art. 3º, define empregado como: toda pessoa física
que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob dependência
deste e mediante salário. Desse modo, o termo dependência,
adotado pelo art. 3º, da CLT, corresponde à subordinação
jurídica.
Cabe destacar, então, que o principal critério adotado pelo Direito
do Trabalho para a distinção entre os vários tipos de relações
de trabalho é exatamente a existência de subordinação jurídica.
Segundo Amauri Mascaro Nascimento:
Trabalho subordinado é aquele no qual o trabalhador volitivamente transfere
a terceiro o poder de direção sobre o seu trabalho, sujeitando-se
como consequência ao poder de organização, ao poder de controle
e ao poder disciplinar deste.5
Para o autor em destaque, a subordinação decorre da relação
contratual estabelecida entre as partes, em que há a limitação
da autonomia da vontade do empregado, a fim de que seja transferida, ao empregador,
a direção da atividade que será por ele desenvolvida.6
Portanto, registre-se o pensamento de Marlon Marcelo Murari:
A principal característica da relação de emprego é a atividade
pessoal e produtiva do empregado, prestada sob subordinação jurídica
ao empregador. Esta subordinação, embora não configure uma submissão
pessoal, gera um estado de poder para o empregador.7
Maurício Godinho Delgado, ao estabelecer o conceito de subordinação
jurídica, assevera:
A subordinação corresponde ao polo antitético e combinado do
poder de direção existente no contexto da relação de emprego.
Consiste, assim, na situação jurídica derivada do contrato de
trabalho, pela qual o empregado compromete-se a acolher o poder de direção
empresarial no modo de realização de sua prestação de serviços.8
Também conforme Maurício Godinho Delgado:
A subordinação seria o polo reflexo e combinado, na relação
de emprego, do poder de direção empresarial, também de matriz
jurídica. A figura é encarada, pela ordem jurídica, sob um prisma
objetivo, atuando sobre o modo de realização da prestação
pactuada. A subordinação não gera um estado de sujeição
pessoal (prisma subjetivo) do prestador de serviços. Embora esse estado
de sujeição possa surgir em exemplos (não são poucos, é
verdade) da prática intraempresarial concreta, ele não é da natureza
(da substância) da relação jurídica assalariada. A diferença
é fundamental por importar em se concluir que o salário pode ser pensado
e concretizado sem tal elemento de sujeição (embora que seja inerente
à subordinação).9
A subordinação jurídica representa, assim, o elemento característico
do contrato de trabalho, que permite distingui-lo dos demais contratos afins.
É por intermédio, então, da dependência que se extrai a
existência da subordinação, que é a jurídica e não
a meramente econômica ou técnica no contrato de trabalho.
O critério da subordinação econômica acontece em decorrência
de o salário representar o meio de subsistência do empregado. Trata-se,
portanto, de um critério essencialmente monetário, ou seja,
haveria relação de emprego em virtude de estar o empregado vinculado
ao empregador, pelo salário.10
Na subordinação econômica, o empregado recebe ordens porque
depende do salário pago pelo empregador como única ou, pelos menos,
a principal fonte de sustento próprio e de sua família.11
Ainda de acordo com Nilson de Oliveira Nascimento:
É concebida de acordo com o grau de dependência econômica do
empregado ante o seu empregador e segundo a qual o empregado é economicamente
mais fraco em relação àquele que lhe (sic) emprega. O patrão,
por ser o dono do capital e dos meios de produção, reúne maior
capacidade econômica que os empregados, que por esta razão aceitam
se subordinar às ordens do empregador.12
Todavia, existem trabalhadores que auferem uma condição econômica
mais significativa que a do seu empregador.
Relata Eduardo Gabriel Saad: A dependência não deve ser necessariamente
de caráter econômico, de vez que não é impossível haver
empregado com fortuna maior do que a do seu empregador. A dependência é
de natureza jurídica.13
Além
disso, esse mesmo trabalhador poderá se dedicar a uma outra atividade que
lhe renda além do trabalho subordinado. Pode, assim, trabalhar de forma
subordinada, bem como prestar serviços de maneira autônoma. Há,
também, da mesma forma, a situação dos empregados que laboram
para mais de um empregador. Portanto, ainda que o empregado não dependa
economicamente do empregador, continuará subsistindo a subordinação
jurídica.
Quanto à subordinação técnica, caberiam apenas ao empregador
os conhecimentos técnicos e científicos para a realização
do trabalho. Convém destacar que, não raras vezes, a qualificação
técnica de um empregado é muito maior que a de seu empregador. Assim,
quanto maior for o grau de qualificação profissional do empregado,
menor será o seu grau de sujeição em relação às
ordens do empregador, chegando ao ponto de o empregador depender tecnicamente
da prestação de serviços do empregado e não o contrário.14
Desse modo, ainda de acordo com Marlon Marcelo Murari:
Para o empregado tradicional, o poder diretivo deve ser mais intenso, pois a
subordinação é maior, ao passo que, para o empregado altamente
qualificado, exercente de cargo de confiança ou gerência, o poder
diretivo seria menos intenso, sempre respeitando os limites constitucionalmente
assegurados.15
Pedro Paulo Teixeira Manus acentua que quanto maior o grau de escolaridade exigido
pela função e quanto mais qualificado tecnicamente for o empregado
mais tênue se torna a subordinação técnica exercida pelo
empregador. O autor cita, como exemplo, o trabalho exercido por um técnico
em computação eletrônica em uma empresa de metalurgia, cujo empregador
desconhece totalmente a atividade desenvolvida por este trabalhador. Do mesmo
modo, pode ocorrer com o trabalho executado por médicos, dentistas, advogados,
e inúmeros outros, em que o empregador tenha conhecimentos totalmente alheios
à formação do empregado.16
Essa subordinação mostra-se, então, insuficiente para caracterizar
a relação de emprego, não sendo a que melhor caracteriza o contrato
de trabalho, em virtude de existirem trabalhadores com maior grau de qualificação
que o empregador, pois, à medida que a empresa vai-se tornando mais
complexa e o avanço tecnológico está exigindo um nível de
preparação mais elevado, torna-se difícil ao empregador deter
maior conhecimento do que todo e qualquer funcionário seu.17
Sendo assim, ainda conforme Simone Cruxên Gonçalves:
Em virtude da crescente especialização das profissões, frequentemente
muitos empregados detêm maior conhecimento do que seu empregador na parte
que concerne aos serviços executados. Tal pode ocorrer, por exemplo, com
médicos, advogados, analistas de sistemas, administradores, entre outros.18
A esse respeito, Pedro Paulo Teixeira Manus destaca que há uma quase total
ingerência do empregador quando a prestação de serviços
do empregado é prestada sem qualquer qualificação técnica.
Neste caso, torna-se necessário o patrão determinar o que fazer, como
fazer e quando fazer. De outro modo, revela que quanto maior for o grau de escolaridade
exigido pela função e quanto mais qualificado tecnicamente for o empregado,
mais tênue torna-se a sua subordinação hierárquica ou jurídica.19
Tal também é a visão de Simone Cruxên Gonçalves:
A subordinação está presente em todos os contratos de trabalho,
às vezes de forma mais acentuada, às vezes de forma mais diluída.
O grau de subordinação é variável, dependendo da natureza
da atividade e da função do empregado, do grau de instrução
necessário para o desempenho do cargo, do local de trabalho, da organização
empresarial, etc. A subordinação torna-se menor à medida que
o trabalho é mais técnico e intelectual, e acentua-se à medida
que é mais manual.20
Portanto, a subordinação jurídica está presente em todos
os contratos de trabalho, podendo apenas variar de intensidade em decorrência
da atividade que é executada pelo empregado.
A subordinação social também se revela inadequada para fins de
caracterização da relação de emprego por demonstrar a ideia
de que o empregado somente se insere socialmente por meio da empresa.
Ao apresentar críticas à subordinação social, Marlon Marcelo
Murari cita o exemplo do professor de música que é bem posicionado
social e economicamente e que, em razão disso, não precisa do empregador
para inserir-se socialmente.21
Sandra Lia Simón assevera que, muito embora a maioria dos trabalhadores
dependa economicamente de seu empregador, não há descaracterização
do contrato de trabalho pelo fato de o empregado possuir outras fontes de renda.
Várias são as relações de emprego nas quais o trabalhador
tem conhecimentos técnicos superiores aos de seu empregador. Por isso,
tanto a subordinação econômica quanto a técnica podem funcionar
como indícios da existência de verdadeiro pacto laboral,
mas não representam os seus elementos essenciais.22
Quanto à subordinação jurídica, esta deve ser vista sob
um prisma objetivo, de forma a atuar sobre o modo de realização da
prestação de serviços do empregado e não sobre a sua pessoa.
Em razão disso, revela-se incorreta a visão subjetiva da subordinação,
que faz com que a mesma recaia sobre a pessoa do trabalhador, colocando-o em
estado de sujeição perante o empregador.23
A esse respeito, assinala Maurício Godinho Delgado:
A subordinação jurídica é o polo reflexo e combinado do
poder de direção empresarial, também de matriz jurídica.
Ambos resultam da natureza da relação de emprego, da qualidade que
lhe é ínsita e distintiva perante as demais formas de utilização
do trabalho humano que já foram hegemônicas em períodos anteriores
da história da humanidade: a escravidão e a servidão.24
Também Maurício Godinho Delgado, ainda sob tal prisma o objetivo
da subordinação , defende a subordinação objetiva
como elemento integrante da relação de emprego:
A subordinação objetiva, ao invés de se manifestar pela intensidade
de comandos empresariais sobre o trabalhador (conceito clássico), despontaria
da simples integração da atividade laborativa obreira nos fins da
empresa. Com isso, reduzia-se a relevância da intensidade de ordens, substituindo
o critério pela ideia de integração aos objetivos empresariais.25
Alice Monteiro de Barros aduz que a integração do trabalhador na organização
empresarial representa uma tentativa de busca em se tentar traçar uma distinção
entre o trabalho subordinado e o trabalho autônomo. Segundo a autora, a
base para se definir a relação de emprego residiria no fato de o empregado
constituir parte integrante da organização. Trata-se, na verdade,
da substituição da subordinação-controle ou subjetiva pela
subordinação-integração ou objetiva.26
Paulo Emílio Ribeiro Vilhena também lança essa espécie de
subordinação jurídica objetiva no Direito do Trabalho. Para o
autor, a subordinação integrativa é aquela que se manifesta pela
participação integrativa do trabalhador nos fins e objetivos do empreendimento
do tomador de serviços.27
A relação de emprego, assim, despontaria como a participação
integrativa da atividade do trabalhador na atividade do credor, e, também,
como uma forma de conduta instrumentalmente voltada para um procedimento
produtivo.28
3. O TELETRABALHO E A SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL
Cumpre ressaltar que, em decorrência do desenvolvimento tecnológico
e da descentralização dos processos produtivos no âmbito empresarial,
como, por exemplo, o trabalho a distância, o teletrabalho e a alta especialização
do conhecimento, o trabalhador tem revelado maior liberdade na execução
da prestação de serviços, ocorrendo, então, a relativização
da subordinação jurídica do empregado às formas tradicionais
de trabalho. Ou tem provocado a necessidade de redefinição e de ampliação
do conceito jurídico de subordinação.
Jair Teixeira Reis comenta que, modernamente, a partir da implementação
de novas tecnologias a distância e de telecomunicações ou da
informática, o exercício da atividade econômica se distanciou
do modelo tradicional de produção, que concentrava máquinas e
pessoas no interior de grandes fábricas, onde o trabalhador laborava em
tempo integral sob o olhar atento do empregador e sob o método fordista
de produção. Em razão dessas mudanças tecnológicas,
o Direito do Trabalho passou a ser visto de uma forma redimensionada.29
Nesse viés, Sidnei Machado, ao discorrer sobre o teletrabalho, atesta que
este representa uma nova forma de trabalho em domicílio surgida há
pouco mais de vinte anos nos Estados Unidos, em decorrência do grande desenvolvimento
das tecnologias de informação e de telecomunicações. Representa
um trabalho em rede, flexível e a distância, fazendo uso intensivo
da tecnologia da informação.30
Nesse sentido, o teletrabalho compreende uma nova forma de flexibilizar o emprego
típico, que provocou uma mudança radical nas relações de
trabalho. O teletrabalho, ao contrário do trabalho em domicílio clássico,
maximiza o uso de tecnologia da informação sem a qual não seria
viável a sua organização. Além disso, pressupõe um
trabalho fora da empresa e também não prestado necessariamente na
residência do trabalhador. No Brasil, por exemplo, o teletrabalho tem se
constituído à maneira de trabalho precário, informal e de baixa
remuneração.31
Sendo assim, o trabalhador, numa atividade considerada de teletrabalho, tem
a condição de ser um trabalhador subordinado ou um trabalhador autônomo.
Por isso, o teletrabalho se situa nas chamadas zonas fronteiriças.
Conforme Sidnei Machado, por meio do teletrabalho, tem-se como estratégia
das empresas:
Valorizar e incentivar o teletrabalho como um mecanismo de redução
dos custos imobilizados e, é claro, redução do custo da mão
de obra. Entre as vantagens catalogadas pela nova administração, o
teletrabalho oferece ainda uma maior produtividade, já que vincula a remuneração
à produção. Ou seja, o teletrabalho substitui uma obrigação
de meio (tempo à disposição na empresa) por uma obrigação
de resultado (produção). Com isso, está implícito, na proposta
de promoção do teletrabalho, que a redução dos custos da
mão de obra se dá pelo enquadramento jurídico de um teletrabalhador
independente, portanto, não empregado.32
Segundo Sidnei Machado, o trabalho em domicílio e o teletrabalho possuem
em comum um trabalho a distância com obrigação de resultado.
Sem controle visual pelo empregador, o recurso às tecnologias da informação
(telefone, fax, e-mail, internet, entre outras) propicia uma nova forma
de controle e de subordinação do trabalhador. Ao contrário do
trabalho em domicílio, o teletrabalho, em razão das facilidades da
tecnologia, produz uma teledisponibilidade, que representa uma forma
de subordinação a distância.33
Informa, ainda, Sidnei Machado que os aplicativos e programas de computador
desenvolvidos pela engenharia da informática possibilitam não somente
inúmeros cálculos, mas também um potencial infinito de controle
sobre os meios utilizados na execução do trabalho, a começar
pelo controle do tempo de execução de tarefas, produção
por hora, dia, etc. Tudo on-line de forma interativa, em rede, e, muitas
vezes, em tempo real. O fator distância, portanto, na prestação
de serviço, é irrelevante por tornar o computador ou a tecnologia
utilizada uma extensão da empresa que invade a vida privada e familiar
do trabalhador. Além disso, as possibilidades de o empregador dar ordens
ao teletrabalhador se intensificam.34
Consoante Sidnei Machado, por essa razão:
O teletrabalho é uma atividade executada em forma de uma espécie de
telessubordinação, ou seja, uma subordinação jurídica
a distância, que se diferencia do trabalho prestado na empresa por tratar-se
de um modo particular de organizar o trabalho. Por outro lado, o Direito do
Trabalho brasileiro ainda não possui regulamentação do teletrabalho
e a jurisprudência tende a tratá-lo como uma modalidade de trabalho
autônomo, por vezes, um empregado em domicílio, quando presentes todos
os elementos qualificadores da relação de emprego.35
Ocorre que o teletrabalho constitui, efetivamente, uma nova e peculiar forma
de atividade, cujas características evidenciam um modo especial de subordinação
jurídica, com a inserção plena do trabalhador na atividade produtiva,
presentes, ainda, o potencial controle e a direção do trabalho pelo
empregador, os quais não ficam descaracterizados pela distância na
execução do serviço.36
Em virtude disso, decisões judiciais no Brasil têm defendido a existência
da subordinação estrutural, que parte da compreensão da inadequação
do modelo tradicional e objetivo da subordinação jurídica para
fins de reconhecimento da relação de emprego a determinados trabalhadores
que se encontram em determinada zona cinzenta, como é caso do teletrabalhador.
Maurício Godinho Delgado, Ministro do TST e precursor desta teoria, leciona:
Estrutural é, pois, a subordinação que se manifesta pela inserção
do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente
de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente,
sua dinâmica de organização e funcionamento.37
Ainda à luz do que preconiza Maurício Godinho Delgado:
[...] nessa dimensão de subordinação, não importa que o
trabalhador se harmonize (ou não) aos objetivos do empreendimento, em que
receba ordens diretas das específicas chefias deste: o fundamental é
que esteja estruturalmente vinculado a dinâmica operativa da atividade
do tomador de serviços.38
Com a existência de novas figuras contratuais surgidas frente aos avanços
tecnológicos, o conceito de subordinação jurídica não
mais se funda exclusivamente no ato pelo qual o empregado se obriga a receber
ordens e a obedecer diretamente às ordens do empregador na direção
dos serviços prestados para os quais foi contratado.
E como ensina Maurício Godinho Delgado:
A readequação conceitual da subordinação, sem perda de consistência
das noções já sedimentadas, é claro, de modo a melhor adaptar
este tipo jurídico às características contemporâneas do
mercado de trabalho, atenua o enfoque sobre o comando empresarial direto, acentuando,
como ponto de destaque, a inserção estrutural do obreiro na dinâmica
do tomador de seus serviços.39
Nesse sentido, não há mais necessidade de ordem direta do empregador
para que seja reconhecida a subordinação jurídica. Basta que
o trabalho esteja inserido na atividade produtiva do tomador de serviços
por meio da concepção estruturista da subordinação para
que seja considerado empregado.
Maurício
Godinho Delgado, Ministro do TST, já proferiu decisão pela 1ª
Turma do TRT da 3ª Região, quando Juiz daquela Corte, apresentando
a subordinação em três dimensões: a clássica, a objetiva
e a estrutural. Segundo ele, estando evidenciada qualquer uma dessas três
dimensões, restaria caracterizada a relação empregatícia,
veja-se:
EMENTA: SUBORDINAÇÃO JURÍDICA DIMENSÕES PERTINENTES
(CLÁSSICA, OBJETIVA E ESTRUTURAL) A subordinação jurídica,
elemento cardeal da relação de emprego, pode se manifestar em qualquer
das seguintes dimensões: a clássica, por meio da intensidade de ordens
do tomador de serviços sobre a pessoa física que os presta; a objetiva,
pela correspondência dos serviços deste aos objetivos perseguidos
pelo tomador (harmonização do trabalho do obreiro aos fins do empreendimento);
a estrutural, mediante a integração do trabalhador a dinâmica
organizativa e operacional do tomador de serviços, incorporando e se submetendo
à sua cultura corporativa dominante. Atendida qualquer dessas dimensões
da subordinação, configura-se este elemento individuado pela ordem
jurídica trabalhista (artigo 3º, caput, CLT). (MINAS GERAIS,
Tribunal Regional do Trabalho. RO 00173.2007.073.03.00.6. Relator: Juiz Maurício
Godinho Delgado, 6ª Turma, DEJT, 12 abr).
Então, para Maurício Godinho Delgado, é trabalhador subordinado...
Desde o humilde e tradicional obreiro que se submete à intensa pletora
de ordens do tomador ao longo de sua prestação de serviços (subordinação
clássica), como também aquele que realiza, ainda que sem incessantes
ordens diretas, no plano manual ou intelectual, os objetivos empresariais (subordinação
objetiva), a par do prestador laborativo que, sem receber ordens diretas das
chefias do tomador de serviços, nem exatamente realizar os objetivos do
empreendimento (atividade-meio, por exemplo), acopla-se, estruturalmente, à
organização e dinâmica operacional da empresa tomadora, qualquer
que seja sua função ou especialização, incorporando, necessariamente,
a cultura empresarial ao longo da prestação de serviços realizada
(subordinação estrutural).40
Imperioso observar que, em 15 de dezembro de 2011, foi sancionada a Lei nº
12.551, que introduziu o parágrafo único ao art. 6º, da CLT.
O seu objetivo foi o de equiparar, por meio do critério da subordinação
estrutural, os efeitos jurídicos da subordinação jurídica
exercida por meios telemáticos e informatizados aos da executada por meios
pessoais e diretos de comando no local de trabalho, verbis:
Art. 6º
Parágrafo único Os meios telemáticos e informatizados
de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação
jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão
do trabalho alheio.
Insta destacar que a subordinação clássica bem como a objetiva
não são mais suficientes para abarcar as novas formas de organização
produtiva do empregador que se encontram em determinada zona cinzenta no Direito
do Trabalho. Em razão disso, a inovação legislativa teve a finalidade
de atribuir à atividade prestada pelo teletrabalhador o status de
legítima relação de emprego, de modo que o trabalhador possa
executar o seu labor de forma não mais autônoma, mesmo porque o critério
da subordinação objetiva já não se mostra suficiente para
traçar a distinção entre o trabalho autônomo e o subordinado.
Nessa ótica, expressa Uriarte citado por Alice Monteiro de Barros:
A inserção na organização empresarial, ainda que seja um
elemento próprio da relação de trabalho, não é exclusivo
da mesma, já que o empregador incorpora ao desenvolvimento da atividade
empresarial não só o trabalho de seus próprios trabalhadores,
mas também a atividade, contínua, porém autônoma, de colaboradores,
que, mesmo não sendo empregados, estão incorporados ao cumprimento
da atividade econômica organizada da empresa.41
É necessário invocar o critério proposto por Maurício Godinho
Delgado, a fim de que o teletrabalhador ganhe contornos bem delineados como
empregado quanto à subordinação estrutural, que representa a
ampliação do conceito de subordinação e cuja finalidade
é acoplar estruturalmente à organização e a dinâmica
operacional da empresa tomadora a cultura cotidiana empresarial ao longo da
prestação de serviços realizada, qualquer que seja a função
do empregado.42
Pertinente trazer à baila o azado pensamento de Ana Paula Pavelski, segundo
a qual, mesmo não estando o empregado conectado às formas tradicionais
de trabalho, a tecnologia pode significar maior controle do empregado pelo empregador,
aumentando contatos e espaços em que as atividades laborativas se realizam.
O tempo de descanso, de recuperação física e mental do trabalhador
pode diminuir, tendo em vista que esses meios de comunicação podem
fazer com que o indivíduo não se desligue de suas responsabilidades
perante o empregador.43
Em vista disso, a tecnologia pode tornar-se ainda mais intensa e exigir do candidato
ao emprego um perfil mais minucioso.
Em tais condições, Amaury Haruo Mori conclui que a tecnologia
a cada dia surpreende a sociedade com novos instrumentos eletrônicos, muitos
dos quais poderão ser utilizados para controlar o desempenho profissional
dos trabalhadores.44
Ainda de acordo com Amaury Haruo Mori:
No âmbito do contrato de trabalho, instrumentos tecnológicos acabam
sendo utilizados como meio de controle da pessoa do trabalhador, seja com objetivo
de aumentar a sua produtividade, seja como forma de proteger a propriedade privada
e os interesses do empregador.45
Comenta Luiz Carlos Amorim Robortella que os empregados viajantes, externos
ou representantes comerciais, naturalmente, estão menos sujeitos a determinadas
exigências, por serem seus trabalhos executados, teoricamente, longe do
espaço empresarial e sem controle de horário.46
Ocorre, entretanto, que essas modalidades de trabalho não desnaturam, de
forma alguma, a superação do poder de direção e de comando
exercido pelo empregador no contexto da relação de emprego.
Na mesma direção, assinala Jair Teixeira Reis:
Com as modalidades de trabalho a distância, abre-se a possibilidade de
mudança do controle do tempo de trabalho para o controle dos resultados,
havendo a passagem de uma cultura de compra do tempo, proveniente
da organização tradicional, para a cultura da compra do resultado,
fruto da organização informatizada. Assim, as discussões acerca
da separação do tempo de trabalho e do tempo livre passam por um necessário
redimensionamento, pois o local de trabalho na empresa tende a perder força.
No entanto, a subordinação jurídica continuará a ter o mesmo
papel na configuração do vínculo de emprego.47
Assegura Ana Paula Pavelski que a pessoalidade do empregado, a marca intuitu
personae, dessa prestação laborativa, característica dos
contratos de trabalho, é mitigada pela possibilidade dos meios de comunicação
e de trabalho a distância. É o caso, mais uma vez, do teletrabalho,
em que o núcleo familiar do trabalhador ajuda nas tarefas, dependendo do
local onde as mesmas se realizam.48
Pode-se,
concluir, que a teoria da subordinação estrutural é responsável
em trazer para dentro do Direito do Trabalho trabalhadores que se encontram
inseridos nas novas formas de organização do trabalho, e, por conseguinte,
afastados do conceito tradicional e objetivo de subordinação jurídica.
É em decorrência das novas formas de gestão administrativa ou
de reestruturação produtiva advindas dos efeitos da globalização
na organização produtiva e do trabalho que o legislador brasileiro
teve o objetivo de traçar o critério de subordinação estrutural,
tendo como instrumento a introdução da Lei nº 12.551/2011 ao
art. 6º, da CLT.
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PAVELSKI, Ana Paula. Os direitos da personalidade do empregado. Curitiba:
Juruá, 2009.
REIS, Jair Teixeira. Subordinação jurídica e o trabalho a
distância. São Paulo: LTr, 2007.
ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O moderno direito do trabalho. São
Paulo: LTr, 1994.
SAAD, Eduardo Gabriel. Consolidação das Leis do trabalho comentada.
33. Ed. São Paulo: LTr, 2001.
SIMÓNS, Sandra Lia. A proteção constitucional da intimidade
e da vida privada do empregado. São Paulo: LTr, 2000.
VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro. Relação de emprego: estrutura
legal e supostos. 3 ed. São Paulo: LTr, 2005.
__________________________________________________________________________
NOTAS
1. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 9. Ed.
São Paulo: LTr, 2012, p. 113.
2. CHOHFI, Thiago. Subordinação nas relações de trabalho.
São Paulo: LTr, 2009, p. 11.
3. MACHADO, Sidnei. A noção de subordinação jurídica.
São Paulo: LTr, 2009, p. 47.
4. MURARI, Marlon Marcelo. Limites constitucionais ao poder de direção
do empregador e os direitos fundamentais do empregado. O equilíbrio está
na dignidade da pessoa humana. São Paulo: LTr, 2008, p. 45.
5. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho.
14. Ed. São Paulo: LTr, 1989, p. 164.
6. Ibid., p. 165.
7. MURARI, Marlon Marcelo. Limites constitucionais ao poder de direção
do empregador e os direitos fundamentais do empregado. O equilíbrio está
na dignidade da pessoa humana. São Paulo: LTr, 2008, p. 80.
8. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 9. Ed.
São Paulo: LTr, 2012, p. 302.
9. DELGADO, Maurício Godinho. O poder empregatício. São
Paulo: LTr, 1994, p. 105.
10. MURARI, Marlon Marcelo. Limites constitucionais ao poder de direção
do empregador e os direitos fundamentais do empregado. O equilíbrio está
na dignidade da pessoa humana. São Paulo: LTr, 2008, p. 46.
11. NASCIMENTO, Nilson de Oliveira. Manual do poder diretivo do empregador.
São Paulo: LTr, 2009, p. 57.
12. Ibid., p. 58.
13. SAAD, Eduardo Gabriel. Consolidação das Leis do trabalho comentada.
33. Ed. São Paulo: LTr, 2001, p. 48.
14. MURARI, Marlon Marcelo. Limites constitucionais ao poder de direção
do empregador e os direitos fundamentais do empregado. O equilíbrio está
na dignidade da pessoa humana. São Paulo: LTr, 2008, p. 79.
15. Ibid., p. 79.
16. MANAUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do trabalho. 9. Ed. São
Paulo: Atlas, 2005, p. 65.
17. GONÇALVES, Simone Cruxên. Limites do jus variandi do empregador.
São Paulo: LTr, 1997, p. 41.
18. Ibid., p. 41.
19. MANAUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do trabalho. 9. Ed. São
Paulo: Atlas, 2005, p. 67.
20. GONÇALVES, Simone Cruxên. Limites do jus variandi do empregador.
São Paulo: LTr, 1997, p. 35.
21. MURARI, Marlon Marcelo. Limites constitucionais ao poder de direção
do empregador e os direitos fundamentais do empregado. O equilíbrio está
na dignidade da pessoa humana. São Paulo: LTr, 2008, p. 48.
22. SIMÓNS, Sandra Lia. A proteção constitucional da intimidade
e da vida privada do empregado. São Paulo: LTr, 2000, p. 109.
23. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 9.
Ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 303.
24.
Ibid., p. 282.
25. DELGADO, Maurício Godinho. Direitos fundamentais na relação
de trabalho. Revista LTr, São Paulo, Ano 70, nº 6, p. 660-673,
jun. 2006, p. 665.
26. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7. Ed. São
Paulo: LTr, 2011, p. 224.
27. VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro. Relação de emprego: estrutura
legal e supostos. 3 ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 233.
28. Ibid., p. 228.
29. REIS, Jair Teixeira. Subordinação jurídica e o trabalho
a distância. São Paulo: LTr, 2007, p. 89.
30. MACHADO, Sidnei. A noção de subordinação jurídica.
São Paulo: LTr, 2009, p. 133.
31. Ibid., p. 133.
32. Ibid., p. 133.
33. Ibid., p. 133.
34. Ibid., p. 134.
35. Ibid., p. 135.
36. Ibid., p. 135.
37. DELGADO, Maurício Godinho. Direitos fundamentais na relação
de trabalho. Revista LTr, São Paulo, Ano 70, nº 6, p. 660-673,
jun. 2006, p. 665.
38. DELGADO, Maurício Godinho. Relação de emprego e relações
de trabalho: a retomada do expansionismo do direito trabalhista. In:
DELGADO, Gabriela Neves; NUNES, Raquel Nunes; SENA, Adriana Goulart de (Coord.).
Dignidade humana e inclusão social. São Paulo: LTr, 2010, p.
30.
39. DELGADO, Maurício Godinho. Direitos fundamentais na relação
de trabalho. Revista LTr, São Paulo, Ano 70, nº 6, p. 660-673,
jun. 2006, p. 665.
40. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 9 ed.
São Paulo: LTr, 2010, p. 285.
41. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7 ed. São
Paulo: LTr, 2011, p. 224.
42. DELGADO, Maurício Godinho. Relação de emprego e relações
de trabalho: a retomada do expansionismo do direito trabalhista. In:
DELGADO, Gabriela Neves; NUNES, Raquel Nunes; SENA, Adriana Goulart de (Coord).
Dignidade humana e inclusão social. São Paulo: LTr, 2010, p.
30.
43. PAVELSKI, Ana Paula. Os direitos da personalidade do empregado. Curtiba:
Juruá, 2009, p. 46.
44. MORI, Amaury Haruo. O direito à privacidade do trabalhador no ordenamento
jurídico português. São Paulo: LTr, 2011, p. 76.
45. Ibid., p. 120.
46. ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O moderno direito do trabalho. São
Paulo: LTr, 1994, p. 45.
47. REIS, Jair Teixeira. Subordinação jurídica e o trabalho
a distância. São Paulo: LTr, 2007, p. 84.
48. PAVELSKI, Ana Paula. Os direitos da personalidade do empregado. Curitiba:
Juruá, 2009, p. 16.